Você conseguirá porque não estou pedindo que o faça sozinho, Não estou realmente pedindo que você o faça, Eu farei por você. Quero que seja Meu representante, Meu microfone, Meu emissário e Minha voz. Deus jamais respondeu à primeira pergunta. Talvez numa maneira estranha o próprio Moisés tenha respondido. Na Bíblia como um todo, as pessoas que terminam sendo as mais merecedoras são aquelas que negam ser merecedoras.
O Profeta Isaías, quando foi encarregado de sua missão, disse: “Sou um homem de lábios impuros”. Jeremias disse: “Não posso falar, pois sou uma criança”. Davi, o mais notável rei de Israel, evocou as palavras de Moisés, “Quem sou eu?” Jonas, enviado por Deus a uma missão, tentou fugir. Segundo algumas interpretações, Jacó estava a ponto de fugir quando teve seu caminho bloqueado pelo homem/anjo com quem lutava à noite.
Os heróis da Bíblia não são figuras da mitologia grega nem de qualquer outra. Não são pessoa possuídas por um senso de destino, determinados desde cedo a atingir a fama. Eles não têm aquilo que os gregos chamavam de megalopsique, um senso do próprio valor, uma superioridade graciosa e usada com leviandade. Não estudaram em Eton ou Oxford. Não nasceram para mandar. Eram pessoas que duvidavam das próprias habilidades.
Houve vezes em que estiveram a ponto de desistir. Moisés, Elias, Jeremias, Jonas, chegaram a tamanho desespero que oraram pedindo para morrer. Eles se tornaram heróis da vida moral contra a vontade. Havia trabalho a ser feito – Deus lhes disse isso – e eles o fizeram. É quase como se um senso de pequenez fosse um sinal de grandeza. Portanto Deus jamais respondeu à pergunta de Moisés: “Por que eu?” Mas há uma outra questão dentro da pergunta.
“Quem sou eu?” pode não ser apenas uma questão sobre valor. Pode ser também uma pergunta sobre identidade. Moisés, sozinho no Monte Horebe/Sinai, chamado por Deus para tirar os israelitas do Egito, não está apenas falando com Deus quando pronunciou aquelas palavras. Está também falando consigo mesmo: “Quem sou eu?” Há duas respostas possíveis. A primeira: Moisés é um príncipe do Egito. Ele foi adotado ainda bebê pela filha do faraó. Ele cresceu no palácio real.
Vestia-se como um egípcio, parecia e falava como um egípcio. Quando ele resgatou as filhas de Jetro de alguns pastores maus, elas voltam e dizem ao pai: “Um egípcio nos salvou!.” Seu próprio nome, Moisés, foi dado pela filha do faraó. Presume-se, um nome egípcio (de fato, como em Ramsés, é a antiga palavra egípcia para “criança”. A etimologia dada na Bíblia, que Moisés significa “Eu o tirei da água”, nos diz o que a palavra sugeria aos falantes de hebraico).
Portanto a primeira resposta é que Moisés era um príncipe egípcio. A segunda foi que ele era um midianita. Pois, embora fosse egípcio por criação, tinha sido forçado a partir. Ele fizera seu lar em Midiã, casara-se com uma midianita, Zípora, filha de um sacerdote midianita e estava “contente por viver ali”, calmamente como pastor. Tendemos a esquecer que ele passou muitos anos ali. Saiu do Egito quando jovem e já tinha oitenta anos no início da sua missão quando pela primeira vez ficou perante o faraó.
Ele deve ter passado a maior parte da vida adulta em Midiã, longe dos israelitas por um lado e dos egípcios por outro. Moisés era um midianita. Portanto quando Moisés pergunta: “Quem sou eu?” não se trata apenas que ele se sente indigno. Ele não se sente envolvido. Ele pode ter sido judeu por nascimento, mas não tinha sofrido o fardo de seu povo. Não tinha crescido como judeu. Não tinha vivido entre os judeus.
Tinha bons motivos para duvidar que os israelitas iriam sequer o reconhecer como um deles. Como, então, pôde se tornar líder deles? Levando mais a fundo, por que ele deveria sequer pensar em ser líder deles? O destino deles não era o dele. Não fazia parte daquilo. Não era responsável por isso. Não tinha sofrido por isso. Não estava implicado naquilo. E além disso, a única vez em que tentara intervir nos assuntos deles – matara um capataz egípcio que tinha matado um escravo israelita, e no dia seguinte tentara impedir dois israelitas de brigarem entre si – sua intervenção não foi bem aceita.
“Quem fez de você chefe e juiz acima de nós?” disseram eles. Essas são as primeiras palavras registradas de um israelita a Moisés. Ele ainda não sonhava em se tornar líder e sua liderança já estava sendo questionada. Considere, agora, as opções que Moisés enfrentou na vida. Por um lado poderia ter vivido como príncipe do Egito, no luxo e na indolência. Este teria sido seu destino se não tivesse intervindo.
Mesmo depois, tendo sido forçado a fugir, ele poderia ter passado os dias quietamente como pastor, em paz com a família midianita na qual tinha se casado. Não surpreende que quando Deus o convidou a liderar os israelitas à liberdade, ele resistiu. Por que então ele aceitou? Por que Deus sabia que ele era o homem para a tarefa? Uma pista está no nome que ele deu ao seu primeiro filho. Chamou-se de Gerson porque, ele disse, “Eu sou um estranho numa terra estrangeira.”
Ele não se sentia em casa em Midiã. Era onde ele estava, mas não quem ele era. Porém a verdadeira pista está contida num versículo anterior, o prelúdio para sua primeira intervenção. “Quando Moisés estava crescido, ele começou a ir até seu próprio povo, e via seu trabalho duro.” Essas pessoas eram seu povo. Ele pode ter tido a aparência de um egípcio, mas sabia que não era. Foi um momento transformador, não diferente daquele em que a moabita Rute disse à sua sogra israelita Noemi: “Teu povo será o meu povo e teu Deus o meu Deus.” Rute era não-judia por nascimento. Moisés era não-judeu por criação. Mas ambos souberam, quando viram sofrimento e se identificaram com o sofredor, que não poderiam fugir.
Quem sou eu? Perguntou Moisés, mas em seu coração ele sabia a resposta. Eu não sou Moisés o egípcio, ou Moisés o midianita. Quando vejo meu povo sofrer eu sofro, e não posso ser outro, que Moisés o judeu. E se isso impõe responsabilidades sobre mim, então devo carregá-las. Pois eu sou quem eu sou porque meu povo é quem ele é.
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