quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Por Trás do Véu - Dov Greenberg


 Sócrates, o grande filósofo grego, disse certa vez a um discípulo: "Meu conselho a você é que se case. Se encontrar uma boa esposa, será feliz; caso contrário, se tornará um filósofo." De fato, atualmente, temos muitos filósofos. Em nosso tempo, tem havido um aumento sem precedentes de relacionamentos rompidos.

 Nos Estados Unidos, estima-se que um em cada dois casamentos termina em divórcio. Famílias com apenas um dos pais dobraram nos últimos 20 anos. Apenas uma criança em duas terá pais que estavam casados quando ela nasceu e que permaneceram juntos até a criança crescer.

 Uma palestrante disse-me que durante anos ela tinha ido a escolas ensinar religião às crianças, e sobre "Deus nosso Pai". Agora ela não pode fazer mais isso, porque muitas das crianças não entendem a palavra. Não a palavra Deus, mas a palavra "pai".

 Como um meteorito entrando no campo gravitacional da terra, o casamento e a família estão se desintegrando. O pior que podemos fazer agora seria entrar num debate sobre quem é culpado: indivíduo ou sociedade, afluência ou secularização.

 O que precisamos é imaginação, não recriminação; otimismo, não pessimismo. É aqui que a Palavra de Deus tem algo lindo e vital a dizer. No capítulo inicial da Bíblia, onde se desenrola a história da Criação, nos é apresentado uma intrigante questão: Como, se Deus existe, o universo pode simultaneamente existir?

 Deus é infinito, Deus está em toda parte. Portanto, em qualquer lugar, existe tanto o finito como o infinito. Porém certamente o infinito supera tudo que seja finito. Simplesmente não há espaço para a matéria física se todo lugar está preenchido com a presença infinita de Deus. 

 Como, então, existe um universo? A resposta é obrigatória. Para criar espaço para o universo, Deus, por assim dizer, iniciou um processo chamado auto-contração ou retirada, criando um vácuo esférico; o espaço necessário para o mundo existir.

 Ao retirar Sua luz infinita, um mundo autônomo, independente, distinto de Deus, pode emergir. A conclusão? O universo é o espaço que o Autor do Ser cria para a humanidade por meio de um ato de retirada. Nenhum único ato indica mais profundamente o amor e a generosidade implícitos na Criação.

  Num estonteante paralelo, o mesmo se aplica aos relacionamentos humanos. No início da vida, não há consideração pelo outro. Um bebê recém-nascido não distingue entre si mesmo e o resto do universo. Conhece e se preocupa apenas com suas próprias necessidades.

 Ao chorar, está dizendo: "Quero Mamãe, quero ser alimentado, quero colo, quero que brinquem comigo, e se isso não for feito agora, vou arruinar sua vida." Não há espaço para um outro. À medida que as crianças crescem e amadurecem, começam a sentir o outro como uma entidade separada.

 Começam a ter relacionamentos; começam a se importar com o outro. Este processo é essencial para um desenvolvimento sadio. Como adultos, sabemos que para amar realmente, precisamos nos retirar de nosso "centro" (ego) e criar espaço para uma outra pessoa em nossa vida. 

 Um relacionamento não é baseado em controle. Quando um parceiro domina o outro, exigindo que ele ou ela se conforme e suprima sua personalidade, a possibilidade de um relacionamento é extinta. O amor genuíno não apenas respeita a individualidade do outro, como também procura cultivá-la.

 Amor, como o ato da criação, é a coragem de criar espaço para a presença do outro. Quando o homem se afasta de si mesmo, atingindo o coração e a alma de outro ser humano, ele imita Deus, que escolhe suspender-Se para dar espaço ao outro.

 Stephen Hawking estava errado em seu livro Uma Breve História do Tempo. Não é por meio da Física teórica que abordaremos a compreensão da "mente de Deus". É dando espaço a outra pessoa dentro de si mesmo. 

Um rapaz e uma moça saíram para um encontro. Durante duas horas, ele falou sobre si mesmo, suas conquistas, sucessos e idéias. Então virou-se para ela e disse: "Chega de falar a meu respeito. Agora diga-me, o que você acha de mim?" Existem duas palavras simples que ilustram essa noção de contração.

 As palavras solo e alma. Representam dois opostos perfeitos: o material e o espiritual. A palavra "solo" representa o material. A palavra "alma" representa o espiritual. Quando a pessoa pensa apenas sobre "solo", não cria espaço para outra pessoa.

 Mas quando pensa sobre "alma", abre espaço para outra pessoa em sua vida. Está pronta para viver e amar com mais profundidade. Esta idéia de Contração se expressa na linda cerimônia do casamento judaico.

 Antes da cerimônia o noivo é escoltado até a sala onde a noiva está esperando, e cobre a face dela com um véu. Este costume tradicionalmente comemora o evento bíblico que ocorreu durante a cerimônia de casamento de Jacó. Este ato é chamado de "velar".

 A Bíblia relata que Jacó viajou à casa de Labão. Ao chegar, encontrou a filha mais nova de Labão, Raquel, e se apaixonou por ela. Labão propõe um acordo: trabalhe sete anos para mim e eu a darei a você em casamento. Jacó faz isso, mas na noite do casamento Labão substitui Raquel por Lia.

 Como a noiva estava velada, ele não percebeu que estava se casando com a moça errada. Jacó descobriu o engano somente quando era tarde demais. Por fim, Jacó aceitou seu destino e continuou com Lia. Mais tarde, porém, ele também desposou Raquel, a noiva que tinha escolhido.

 A pergunta que surge é: se o velar nos lembra Jacó e Lia, o costume não deveria ser o noivo descobrir o rosto da noiva para certificar-se de que está casando com a moça que escolheu? A resposta é profunda e tocante. Lia e Raquel não são meramente duas irmãs morando na Mesopotâmia na primeira fase da Idade do Bronze.

 Elas também simbolizam duas dimensões de toda personalidade humana. Cada um de nós possui uma "Raquel" interior, bem como uma "Lia" interior. Raquel, a mulher linda, simboliza as características atraentes, charmosas e belas existentes em nosso cônjuge e em nós mesmos.

 O nome Raquel em hebraico significa "ovelha", conhecida por sua cor branca e sua natureza amável e serena. Lia, um nome que literalmente significa cansaço ou exaustão, representa aqueles elementos em nós e em nosso cônjuge que são mais desafiadores.

 Lia, a irmã de "olho fraco", era mais facilmente dada às lágrimas. Ela era emocionalmente vulnerável. Lia, enfraquecida pelas lágrimas e pela ansiedade, representa nosso conflito com a insegurança e com a tensão psicológica e espiritual.

 Poucas pessoas podem ser definidas como "Raquel" ou "Lia", exclusivamente. A maioria possui os dois componentes. Somos uma mistura de serenidade e tensão. Temos instintos compassivos mas devemos lutar contra instintos egoístas também.

 Temos luz, mas devemos lidar também com a sombra. Ambas são partes genuínas de nossa personalidade multi-dimensional. Raquel é a luz; Lia é a luta contra a escuridão. Portanto, o drama que ocorreu no casamento de Jacó, o Patriarca, acontece em todo casamento.

 Antes de se casar, você pensa que está desposando Raquel – a linda, inteligente, bondosa, sensível…a mulher dos seus sonhos. Na realidade, você vai descobrir que terminou com Lia, uma pessoa que também está em conflitos com tensão não resolvida.

 Naturalmente, você ama Raquel, e rejeita Lia. Porém à medida que a vida passa você começa a descobrir que é exatamente a dimensão Lia de sua esposa que desafia você a transcender o seu ego e tornar-se a pessoa que é capaz de ser.

 Porque são as próprias falhas e imperfeições de seu cônjuge que permitem que você cresça em algo maior que si mesmo. Este, então, é o segredo por trás do ato de velar a noiva. Quando o noivo vela sua noiva, está dizendo: "Eu amarei, prezarei e respeitarei não apenas o 'você' que se revela a mim, mas também aqueles elementos de sua personalidade que estão ocultos para mim.

 E quando me uno a você em casamento, comprometo-me a criar um espaço dentro de mim para a totalidade do seu ser – para toda você, para sempre." Isso, se realmente o fizermos, é o significado de "Contração" e tem o poder de banhar o alquebrado mundo atual na luz e espaço para a Divina Presença.

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